Por ideologia, agricultor de Corumbiara se recusa a ser revistado pelo Exército
Um agricultor do município de Corumbiara acabou provocando uma situação curiosa e ao mesmo tempo assustadora. Numa blitz da Operação Ágata do Exército na semana passada, o produtor se recusou a abrir a própria bolsa para ser revistada pelos recrutas das Forças Armadas.
Como já foi noticiado por este site, o Exército brasileiro está fazendo atuações na fronteira no Cone Sul para combater, entre outros crimes, o tráfico de drogas. Praticamente todo veículo é cuidadosamente revistado.
Mas um agricultor se recusou a ser revistado pelo Exército no mês passado. José Vilson, o homem da foto desta reportagem, de 36 anos, mora num pequeno sítio de cinco alqueires a pouco mais de 4 km de Corumbiara. Já foi seminarista católico, caixa de posto de gasolina, professor da rede pública e agora se dedica ao sítio que ganhou do pai e trabalha com o cultivo de urucum e criação porco, galinha e gado.
Zé Vilson, como é conhecido, estava num ônibus, junto com outros quase 40 produtores rurais de Corumbiara. A comitiva de agricultores ia para Ji-Paraná, no evento conhecido como Rondônia Rural Show. Quando chegaram perto da 2º eixo, no município de Cerejeiras, o ônibus foi parado pelo Exército, por volta das 10h40h da noite do dia 24 de maio, numa sexta-feira.
Os soldados ordenaram que todos os agricultores saíssem do veículo e abrissem suas bagagens para serem revistadas. Os ocupantes do ônibus obedeceram imediatamente e abriram suas bolsas, mas nada de ilícito tinha sido encontrado até então.
Mas, quando chegou a vez de Zé Vilson, ele se recusou a abrir a bolsa na frente dos recrutas. “Se vocês quiserem, abram vocês mesmo”, disse o agricultor, segundo afirmam testemunhas do caso. Os recrutas chamaram o tenente e a discussão, em princípio amigável e depois calorosa, durou por meia hora. O oficial chegou a ligar para a base do Exército situada provisoriamente em Colorado do Oeste. Depois de uma longa queda de braço entre o tenente e o agricultor, com até ameaças de prisão, Zé Vilson cedeu e abriu a bolsa bruscamente, despejando todas as roupas no chão.
Depois disso, o oficial do Exército pegou os documentos do agricultor e verificou pela internet para consultar a ficha criminal. Nenhum precedente judicial foi encontrado.
Ninguém sabe ao certo a razão da atitude do agricultor. Apesar de trabalhar na roça, Zé Vilson tem vasto conhecimento. É formado em Matemática pela Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e trabalhou como professor por 14 anos em escolas públicas. Tem um raciocínio rápido e tem hábitos de vida simples. Quando era professor, abandonou de vez a sala de aula por não concordar com as humilhações que, segundo ele, um educador é obrigado a passar todos os dias.
A reportagem do FOLHA DO SUL ON LINE perguntou a ele o porquê da recusa em ser revistado pelo Exército. “O que mais me irritou foi de ter feito os trabalhadores rurais passarem por tamanha humilhação. Se eles querem pegar bandido, bandido é o que não falta por aí”, desabafa o agricultor.
O agricultor também afirma que ficou indignado por que o Exército deveria ter tratado com mais dignidade um ônibus que estava claramente identificado como transportando produtores rurais. “Nosso ônibus tinha um cartaz na frente e estava claro que éramos agricultores. O tenente, como homem educado que sei que é, poderia ter levado isso em consideração”, afirma Zé Vilson.
Zé Vilson também afirma que não acha justo o Exército revistar civis, uma vez que as Forças Armadas não é polícia. O agricultor também diz que acha humilhante ter de abrir a bagagem, “de cabeça baixa”, para que a bolsa seja revistada.
Mas a reportagem acredita que ainda existam mais elementos para explicar a atitude do agricultor.
O repórter que redigiu esta reportagem conhece o agricultor, pois já o entrevistou em outras ocasiões. Por isso, o repórter sabe que Zé Vilson tem um posicionamento político-ideológico que pode explicar a recusa de ser revistado pelo Exército. O agricultor, por convicção, tem posicionamento político de esquerda. Já foi filiado ao Partido dos Trabalhadores, já chegou a concorrer uma eleição municipal para vereador e é simpatizante de movimentos sociais.
O corpo administrativo do Exército foi o principal líder de um período ditatorial brasileiro, durante dos anos de 1964 a 1985, num governo que ficou conhecido como Regime Militar. Os presidentes do país eram generais do Exército e não eram eleitos pelo povo e perseguia com exílio e tortura os militantes de esquerda.
A reportagem perguntou ao produtor corumbiarense se a ideologia política dele o teria motivado a ter tão drástica atitude com relação aos oficiais do Exército. Zé Vilson pensa num instante e responde: “É, isso contou muito também”.
Fonte: FS
Autor: Rildo Costa