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Quinta-feira, 28 de março de 2024

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19/12/2009 14:42:34

ANCIÕES VILHENENSES CONTAM SUAS AVENTURAS

Philadelpho Zacharias de Souza. A grafia do pré-nome, em que “ph” ainda tinha som de “f”, já denota tratar-se de alguém das antigas. Aos 82 anos, ele é o mais velho entre os advogados atuantes no estado de Rondônia e hoje mora no Lar do Idoso Maria Tereza de Lamarta. “Quero advogar até a morte. Este é o meu maior prazer”, conta, sempre risonho. Atualmente, defende seis ações no fórum da comarca de Vilhena, todas na Vara de Família. “São processos de divórcio e pensões alimentícias. Gosto de trabalhar, mas também preciso, pois não sou aposentado”, confidencia.

Mas trabalhar não é a única alegria na vida do doutor Zacharias, como é mais conhecido. Ele não dispensa uma cervejinha todo santo dia e aos domingos frequenta o Baile da Terceira Idade. Não gosta muito de ficar “cutucando” o passado e vive o hoje.

 

“EU NÃO QUERIA NASCER HOJE” –  O causídico chegou ao local por suas próprias pernas há oito anos. “Eu morava num hotel e me sentia cada dia mais cansado diante daquela obrigação de ter que trabalhar. Então decidi procurar este lugar de repouso depois que uma amiga advogada me falou de sua existência. Eu sou feliz aqui e trabalho tranquilo”, conta.

Goiano da cidade de Pedro Afonso [hoje faz parte do estado do Tacantins], Zacharias teve esposa e três filhos: dois moram em Mato Grosso e outro na Paraíba. O mais jovem, de 50 anos, é funcionário do Banco do Brasil em Cuaibá, vem visitá-lo e insiste para que ele vá morar com a família. “Agora estou começando a pensar no assunto”.

Dois anos depois de ficar viúvo em 1975, ele veio para Vilhena. Apesar de nunca mais ter se casado, faz questão de dizer que preza a instituição familiar e não concebe como “certo” o divórcio. “Meu pai se casou três vezes e, além de mim, teve outra filha 13 anos mais velha do que eu, que me espancava à toa todos os dias. Ficou essa imagem na minha cabeça. Até hoje respeito a memória da minha falecida esposa, com quem vivi durante 15 anos. Ela morreu de ataque cardíaco”.

Sobre a visa no Lar dos Idosos, doutor Zacharias filosofa: “É um tipo de solidão que se vive junto com outras pessoas. Pois, por conta das diferenças culturais, é preciso tolerância. Cada um tem sua história e a maioria vem do meio rural. O papo, então, gira em torno de caçadas, bichos, derrubadas de matas, as coisas antigas de Rondônia”, reflete.

Zacharias ficou órfão aos 15 anos, formou-se contabilista e depois advogado [começou o curso de Direito no Rio de Janeiro, terminando-o em Cuiabá, aos 41 anos de idade]. Durante cinco anos foi delegado de polícia, até começar a militância na advocacia. “Desde muito pequeno, se eu falasse em dinheiro, minha mãe torcia meu pescoço. Ela me ensinou a não ser ambicioso e, assim, me tornei completamente desapegado”, discorre.

Até para dizer que tem câncer na próstata e se trata da doença em Barretos (SP) ele abre um sorriso. “Está tudo bem”, conforta-se. Sobre o mundo moderno, conta que sua maior dificuldade é com o computador. “Eu dito tudo para as secretárias da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) ou do escritório onde trabalho. Não sei mexer com isso”, admite. Terminando a entrevista, profere uma frase emblemática: “Eu não queria nascer hoje. O mundo deturpou seus valores e está não é uma boa hora para começar, mas sim para chegar ao fim”.

O advogado é um dos 19 homens e quatro mulheres entre 54 e 95 anos que moram no Lar dos Idosos de Vilhena – um lugar amplo, bem organizado harmonioso e limpo. Uma das hóspedes aproveita que o portão é aberto para o repórter entrar e, mesmo chovendo, tenta ir à rua dizendo que “as meninas vão se molhar”. Levada para dentro com todo o carinho por uma funcionária, toma um banho quente e fica mais calma. Depois, afirma que gosta de ficar perto do muro para observar “o cavalinho que morde a onça”. A simpática senhorinha demonstra ser uma criança grande!

 

O GARIMPEIRO DE ILUSÕES – Joaquim Basílio dos Reis, 83 anos, nasceu em Machacalis (MG), mas viveu a maior parte nos garimpos. No sul da Bahia, chegou a ter uma casa de três andares, com comércio de confecções e um sítio. Um belo dia, em 1970, acordou com o desejo de “conhecer o mundo”. Deixou o patrimônio, a mulher e os quatro filhos. Neste mesmo ano passou pela nascente vila de Vilhena a caminho sabe-se lá de onde. E foi assim que embarcou no sonho de viver do garimpo. “Percorri a Venezuela, Guiana, Bolívia, Colômbia e vários estados da Amazônia Brasileira. Morava no próprio garimpo ou em hotéis, só andava de avião e tudo que ganhava eu gastava imediatamente. Era muita boate [que ele chama de saramandaia], mulheres, mas tudo que eu ganhava ia embora. Certa vez cheguei a acumular seis quilos de ouro. Depois de velho, vim para Vilhena e aqui morei em oito casas, até chegar a este lar derradeiro”, afirma, bem humorado.

Sobre a suposta saudade dos familiares, ele diz que já se acostumou a viver sem eles. “Há 15 anos fui visitá-los. Demorei dois anos em São Paulo para dar conta de ver todo mundo que mora lá e em Minas. Quando acabei as visitas, disse adeus. Para ser sincero, não me fazem falta. Fui para Juína (MT) e de lá cheguei aqui. Acabei me desfazendo de minhas coisas, dei tudo, e vim ficar neste lugar que eu gosto muito. Eles nos tratam bem, durmo a hora que quero, tomo meu banho, me alimento e vivo em paz. Sou muito devoto de Nossa Senhora Aparecida”, conta.     

 

 

O MAIS IDOSO DE TODOS  – O lavrador Catarino Pereira Cacheado não parece ter 95 anos. Com  os cabelos e bigode pretos, o mineiro de São Miguel vive há dois anos no Lar dos Idosos e já não sai da cama. Suas pernas atrofiaram depois de seguidas quedas em casa e nas ruas, com fraturas. Muito sorridente e ótimo proseador, recebeu muito bem o repórter e aproveitou para recordar os tempos de juventude e sua vida nômade: “Pobre naquele tempo ia caçando vida melhor de cidade em cidade e foi assim que vim para em Rondônia, de pau-de-arara. Fiquei viúvo em Rolim de Moura e depois de alguns problemas familiares decidi vir para cá”.

Catarino é muito lúcido para quem está perto do centenário natalício. Não se lembra muito bem de datas, mas relata ter tido oito filhos. Ele sente a falta deles e garante nunca ter recebido a visita de nenhum parente.

 

CEGUEIRA E DESILUSÃO AMOROSA  -  Geraldo Soares da Silva, 75 anos, responde no presente quando pergunto qual sua profissão: “Sou braçal, faço de tudo em fazenda”. O trabalhador não enxerga há 8 anos e há 2 mora no Lar dos Idosos. Natural de Monte Azul (MG), perambulou  muito até chegar a Rondônia. “Eu estava caçando e por um problema na espingarda tive meu olho direito atingido. Aos poucos a cegueira foi passando para o outro olho”, expõe. A princípio, ele morou na casa de um pastor da igreja que ele frequentava, mas ficava a maior parte do tempo sozinho em casa. “Então vim para cá. Na juventude, eu fiquei casado só sete meses, mas abandonei minha mulher porque ela me traía com outro homem. Não tenho filhos e nem imagino onde estão meus dois irmãos. Tentei pedir ajuda para alguém tentar achá-los pela internet, mas não deu certo. Devem ser bem pobrezinhos e não ter acesso a essas coisas e mesmo se tivessem não teriam condições de vir aqui”.    





Fonte: Folha do Sul
Autor: Redação/FS

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