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Geral

05/12/2017 11:23:40

Após 30 anos, delegado é condenado pelo assassinato de jesuíta espanhol que defendia índios da região

Vicente Cañas lutava por terras dos Enawenê-Nawê

O júri popular teve início no dia 29 de novembro e se encerrou apenas no dia 30, concluindo pela condenação do delegado aposentado da Polícia Civil Ronaldo Antônio Osmar pelo assassinato do missionário espanhol Vicente Cañas Costa. Foram acolhidos todos os pedidos do Ministério Público Federal em Mato Grosso (MPF), que, no ato, esteve representado pelo procurador da República Alisson Nelicio Cirilo Campos, auxiliado pelo também procurador da República Ricardo Pael Ardenghi, indicado pelo Grupo de Apoio ao Tribunal do Júri da 2ªCCR/MPF (1) e integrante da Força-Tarefa Avá Guarani (2).

O assassinato de Vicente Cañas ocorreu entre os dias 06 e 07 de abril de 1987, na Terra Indígena Enawenê-Nawê, no Município de Juína (MT), distante cerca de 240 km de Vilhena. Após 30 anos, o delegado Ronaldo, acusado de agenciar a morte de Vicente, foi condenado pelo júri a 14 anos e 3 meses de reclusão em regime inicial fechado. De acordo com os autos, além de arregimentar os executores do crime, orientá-los sobre o modo de execução e realizar o pagamento pelo serviço, o delegado atrapalhou as investigações sobre o crime, pois esteve à frente de algumas diligências que buscavam esclarecer a morte do missionário.

Um julgamento pelo júri já havia sido realizado em 2006, ocasião em que o réu foi absolvido. O MPF recorreu e, em 2015, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região anulou o júri anterior por considerar a decisão manifestamente contrária à prova dos autos, determinando a realização de um novo julgamento.

Agora, 30 anos depois do fato e 11 anos depois do primeiro julgamento, o delegado ex-delegado de Juína Ronaldo Osmar, único acusado ainda vivo, foi novamente submetido ao Plenário do Tribunal do Júri e condenado.

Conforme o procurador da República Alisson Nelício, o MPF atuou com muita dedicação nesse caso desde o início para que o tempo não resultasse em impunidade. “Acreditamos que finalmente se encontrou a pacificação social e justiça foi entregue aos familiares da vítima e à sociedade”.

Durante o julgamento, o procurador da República Ricardo Pael sustentou que “era conhecido o conflito fundiário na região. As terras dos Enawenê-Nawê eram desejadas por fazendeiros e madeireiros e viam em Vicente uma ameaça, uma força dos indígenas que pediam a demarcação. Contudo, mesmo sabendo disso, nenhum fazendeiro foi investigado”.

O procurador destacou, ainda, que “a importância desse julgamento vai além das portas do plenário, dos limites de Cuiabá e do Mato Grosso, até mesmo além das fronteiras do Brasil”, referindo-se a outros casos de violência contra indígenas e seus defensores que estão sendo levados a cortes internacionais de Direitos Humanos.

ENTENDA O CASO 
De acordo com informações dos autos e de pessoas que conviviam com Kiwxí (nome dado a Vicente pelos índios), ele já vivia na região de Juína há mais de dez anos quando foi assassinado, sendo que constantemente denunciava a presença de fazendeiros e madeireiros nas áreas dos povos indígenas que viviam no noroeste do Mato Grosso. Sua atuação, então, conflitava diretamente com os interesses de fazendeiros e madeireiros da região.

Diante disso, eram comuns os relatos de ameaças de morte a Vicente e outros voluntários que o ajudavam.

Em abril de 1987, enquanto se preparava para voltar à aldeia dos Enawenê-Nawê (chamada, na época, de Salumã), Vicente foi surpreendido pelos assassinos, que o atacaram quando ele voltava do rio, onde estava tomando banho. Em seu barraco, nas margens do Rio Juruena, Vicente Cañas foi agredido, morto e deixado ali, caído no chão, sem roupas.

Seu corpo foi encontrado mumificado cerca de 40 dias depois por indígenas e missionários, entre os quais o Padre Thomaz de Aquino Lisboa, que na década de 1970, junto com Vicente Cañas, tinha feito os primeiros contatos com os índios Enawenê-Nawê.

A perícia constatou sinais de violência no local e um orifício na barriga de Vicente aparentemente causado por arma branca (faca, punhal, etc.).

À época, o secretário de Segurança do Mato Grosso, Otto Sampaio, declarou ser praticamente impossível chegar aos assassinos e afirmou que dificilmente a morte tivesse ocorrido em consequência de conflito de terra.






Fonte: MPF
Autor: Da redação

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